Aos filhos devem ser claras as
regras de convivência, sustentadas pelas posturas uníssonas de seus pais –
mesmo que estes não morem mais juntos. Isso contribui inegavelmente à formação,
nos jovens, de uma personalidade firmada sobre sólidos princípios, que os
tornarão menos suscetíveis a seguirem rumos indesejáveis em suas tomadas de
decisão vida afora.
Não obstante um sem-número de publicações que se
prestem a orientar pais e educadores, no sentido de basicamente lhes permitir
uma imposição de limites eficientes aos filhos/educandos, a realidade parece
ainda tomar o sentido oposto. Tendo como base o tipo de relação comumente
estabelecido hoje entre os pais e as escolas, seja na rede pública ou
particular, evidenciam-se, na maior parte das vezes, dissonâncias entre família
e instituição, extremamente lesivas à formação do aluno.
Exceções à parte, a maioria dos pais comporta-se de
maneira defensiva ao tratar de assuntos relacionados ao comportamento dos
filhos, como se estivesse de antemão sendo acusada de negligência, ausência ou
mesmo impotência nos cuidados com a educação filial. Esse protecionismo
inclusive se manifesta na presença dos filhos, o que de imediato já desautoriza
a figura docente ao estudante, minando possibilidades de se construir um
relacionamento de confiança e respeito entre professor e aluno, bem como entre
pais e escola. Nesses momentos, muitos desses pais desfiam um corolário de
clichês desprovidos de fundamentos coerentes, tais como: “Em casa, ele não é
assim”; “Ele diz que fulano o atrapalha; muda meu filho de lugar.”; “Ele
reclama que tal professor implica com ele.” etc. Nem ao menos percebem o
simples fato de que o professor é responsável pelos seus filhos por algumas
horas semanais.
Verdade seja dita: a grande maioria dos professores
seria incapaz de perseguir seus alunos; muito pelo contrário, hoje os docentes
são menos perseguidores do que perseguidos – fato que as notícias que abundam
na imprensa o comprovam. Há muito vem se instalando, nas instituições
escolares, gerações de educadores formados a partir de concepções pedagógicas
renovadas e dissonantes, em sua totalidade, com práticas lesivas e/ou baseadas
em meros juízos de valor. Além do mais, normas, dispositivos e regulamentações
legais – educacionais ou não – seguramente respaldam a manutenção da
integridade física e moral dos menores em nossa sociedade.
Nesse sentido, vale uma referência ao desenho
“Procurando Nemo”, da Disney, principalmente em razão das ações do pai do
peixinho que dá nome à animação. Emblemático desse comportamento é o momento em
que, estando no interior de uma baleia com uma companheira, esse pai dirige-se
à colega, trocando-lhe o nome com o do filho: “Você não vai conseguir, Nemo!”.
Esse ato falho acaba por revelar o aspecto mais lesivo desse tipo de atitude no
contexto educacional familiar e que consiste em seu caráter superprotetor. Ao
tentar poupar os filhos do confronto direto com os atos praticados e suas
conseqüências, os pais impedem-lhes a construção de uma identidade autônoma que
deveria norteá-los seguramente frente às complicações inerentes ao seu processo
de amadurecimento.
O mundo nos impõe sucessivas situações-problemas,
cujas resoluções dependem de nosso equilíbrio na busca por soluções adequadas.
Ora, se nos foi negado, desde sempre, o exercício de optar entre uma ou outra
saída, por nossa própria conta e risco, como poderemos ultrapassar barreiras
que se acumularão ao longo de nossas vidas? É com o se pedíssemos a um aluno
acostumado a sempre “colar” que resolvesse uma prova sem o gabarito. Nunca
tendo errado e, portanto, refletido e reconstruído ideias próprias,
evidentemente não teria repertório nem experiências constitutivas de mínima
estrutura para enfrentar o novo – como o que vem ocorrendo entre as novas
gerações.
Da mesma forma, ressalta-se que essa superproteção
fatalmente se desdobra na tendência a anular-se a identidade dos filhos –
aspecto contundente no enredo de “Procurando Nemo”. Em decorrência desse
policiamento ostensivo sobre a vida dos filhos, pais e mães impõem seus pontos
de vista através de afirmações de caráter perene e indelével: “Você é
vagabundo.”; “Você nunca vai gostar de estudar.”; “Você é teimoso.” etc. Sendo
assim, os filhos acabam crendo que são assim mesmo e para sempre o serão; ou
seja, acomodam-se às imagens que os pais compulsoriamente lhes determinam,
isentando-se de perspectivas de mudanças positivas em suas vidas,
consequentemente se tornando passivos diante do mundo circundante. Relevante e
imprescindível, visando-se à neutralização dessa sistemática nociva, torna-se a
cumplicidade dos pais ao impor limites, o que implica, sobretudo, unidade no
discurso de ambos. Aos filhos devem ser claras as regras de convivência,
sustentadas pelas posturas uníssonas de seus pais – mesmo que não estes morem
mais juntos. Isso contribui inegavelmente à formação, nos jovens, de uma
personalidade firmada sobre sólidos princípios, que os tornarão menos
suscetíveis a seguirem rumos indesejáveis em suas tomadas de decisão vida
afora.
Como se vê, educar, além de trabalhoso, requer
dedicação extrema e treino constante. Pais devem, portanto, exercitar
continuamente sua tarefa educativa, dispondo-se a diárias e contínuas reflexões
e autoavaliações, em diálogo constante com o cônjuge e com os filhos, até que
se incorporem definitivamente regras básicas do processo educativo, as quais,
no caso, consistem na coerência entre o que se diz e o que se pratica; na
co-responsabilidade entre pai e mãe e demais educadores; na clara delimitação
de regras e limites e no respeito compartilhado diariamente pelos familiares
entre si e entre cada um deles e seus semelhantes. Tendo em vista o dia-a-dia
caótico de hoje, urge a necessidade de se formarem cidadãos conscientemente
autônomos, embora interdependentes, capazes de contribuir à reconstrução e à
transformação do mundo, num saudável movimento de constante evolução.
GCM CLÁUDIO RAIMUNDO/LARANJAL PAULISTA/SP
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