“As problemáticas,
os desafios e a magia de comandar efetivamente uma instituição.”
Por: PROF. JOÃO ALEXANDRE
Recentemente em conversa com um de
nossos ex-alunos do Curso de Formação de Comandantes, falávamos da ausência
de um espírito de motivação que se apoderou de algumas instituições de
Guardas Municipais, razão essa que me motivou a escrever esse pequeno artigo,
em detrimento de outro na mesma linha e que já havia escrito. Geralmente recebo
convites de gestores e comandantes para realizar palestra motivacional,
alegando os mesmos que há uma desmotivação geral na tropa e que os
guardas não jogam mais no mesmo time do comandante ou rezam outra
cartilha (!).
Obviamente, temos como seres humanos
a tendência natural de praticarmos aquilo que a psicologia denomina de transferência
de culpa. Nunca a culpa é nossa, sempre o outro é o responsável por dar
causa ou fazer acontecer aquilo que nós queríamos que acontecesse. Será isso
uma verdade absoluta ou um discurso frágil para esconder algumas incapacidades
de gerenciamento institucional? Com todo o respeito aos gestores e comandantes,
destaco aqui que o que digo obviamente não é algo aplicável a todos, mas muitos
desses comandantes, eles mesmos estão matando suas organizações.
Distanciaram-se de seus comandados, tiraram seus uniformes e se esconderam
atrás de lindas mesas, com belas secretárias e carrancudos chefes de
gabinetes. Muitos deles ignoram até o próprio motorista de sua viatura,
que de servidor de segurança, passou a chofer. Levam suas vidas refrescadas por
sucos geladinhos, cafés e bolachas servidas por belas guardas que em vez de
estarem no serviço operacional ou na ronda escolar e policiamento comunitário,
serve seu “chefe” e se locupletam dos benefícios de servir o soberano. Nessas
condições, a instituição já quebrou. Há dois mundos dentro do próprio mundo.
Comandantes que conhecem seu município somente pelo GPS. Perdeu o vínculo com a
tropa. A palavra comandante, de forma bem simples significa comandar com,
Com quem? Resposta: Com meus comandados. Quem são meus comandados? Será que são
os Guardas Municipais? Não há comandante sem os guardas
E os questionamentos são muitos, o
que amplia o mal estar desse artigo: Qual a última vez em que você como
Comandante reuniu-se em um café da manhã com seus oficiais? Não para falar de
serviço, mas para se confraternizarem enquanto Estado Maior da instituição.
Para lhes dizer obrigado, por fazermos parte de um time vencedor! Pois sei, que
não é fácil ser ou estar em posição de comando. A guilhotina da política está
24h por dia sobre as cabeças de quem está no topo da pirâmide. Mas será que
isso impede um simples café da manhã com sua equipe? Qual a última vez que você
como Comandante, esteve presente em uma reunião ou café com seus
graduados reforçando o espírito de camaradagem tão necessário aos homens de
meio? Qual foi a última vez que na última sexta feira de cada mês (após o
expediente), você motivou ou se fez presente num churrasquinho com pagode ou
outro qualquer, homenageando os aniversariantes do mês, entregando-lhes um
mimo, um certificado ou ainda trazendo uma palavra de ânimo e reavivando o
compromisso de seus comandados? Qual foi o último dia em que você como
Comandante, sentou-se na sua viatura do comando e visitou seus
comandantes operacionais em suas bases ou locais de trabalho? para tomar aquele
café requentado que todos nós sabemos que é, e praticar in loco uma
intervenção pedagógica, alinhando e reforçando valores e doutrinas? Melhor
ainda, qual a última vez que seus comandados viram você, uniformizado ao vivo e
a cores? Seu uniforme lhe serve ainda?
Comandantes só no nome, no salário,
no prestígio político, nos barretes sobre os ombros e na placa que está fixada
no gabinete. Será que sua tropa sabe ou o reconhece legitimamente como um
comandante ou para eles você é uma figura sem prestígio e apagada e apenas mais
um nome no organograma da instituição?
Sei que são duras essas palavras, mas
que parte daquele que ama a segurança pública e por tanto as entende como
necessárias. Lá na rua ou nos postos de serviços, nos Distritos Policiais nas
gélidas noites de frio e de chuva, o não graduado, nosso valente Guarda
Municipal, precisa ter a certeza de que há uma cadeia de comando presente,
próxima e que ele possa contar nos momentos de maior precisão seja
administrativa, operacional ou pessoal. Pelo formato hoje dominante, raras são
às vezes, que ainda encontramos um supervisor ou inspetor rondando ou operando
lá na ponta da linha à frente de sua equipe. A grande maioria
deles também estão vinculados à administração, bem longe do mundo real. Não que
isso seja algo que deva ser criticado. Mas se os oficiais estão internos, de
folga aos sábados, domingos e feriados e não trabalham à noite; quem comanda a
instituição de fato?
O Gestor (em nível de secretaria)
esse pode se dar ao gosto de usar um terno; mas o Comandante usa
orgulhosamente o seu uniforme. Àquele igual ao de seus comandados. Ele
ostenta o mesmo brasão, as mesmas divisas e seus comandados o reconhece e o
identifica com um simples olhar. Ele recebe as continências, prima pelo
exemplo, se faz presente nas preleções diárias, tem sempre uma palavra a dar,
luta pelos interesses de seus comandados, fala pela instituição publicamente e
constantemente é visto por seus oficiais, graduados e guardas como alguém que
está vivo e transmite vida a corporação. É uma figura respeitada, admirada e
venerada por aqueles, que estão nas escadarias da carreira e pelos antigos.
É alguém que seus comandados olham e
conseguem ver a áurea que o contorna e os fluidos mágicos que dele irradia. Não
há a mínima possibilidade de um comandante administrar sua instituição,
fazendo-se ausente, não transitando entre seus pares, não dando um bom dia a
seus comandados e exibindo um sorriso que consiga cativar e motivar. Gestão pública,
orçamentos, licitações, papéis, e-mails, reuniões e agenda lotada. Nada disso
afasta o comandante de seus comandados. Fardas, coletes, tonfas, revólveres e
viaturas são acessórios. Guardas Municipais são pessoas. E como tais,
necessitam de reconhecimento, valorização profissional, proteção de suas
garantias como trabalhador, precisam de uma carreira e de justo pagamento pelo
que faz. O Comandante com isso se preocupa.
Um comandante que não enxerga que
comanda seres humanos, mata sua instituição a cada dia. Um homem desmotivado é
sinônimo de má prestação de serviço. Um profissional estressado é sinônimo de
violência policial. Um profissional assediado moralmente é sinônimo de servidor
afastado, restrito ou readaptado. Saia de vez em quando de seu gabinete,
embarque em sua viatura e percorra o território ao qual você comanda. Transite
entre seus comandados, determine, cobre e celebre com eles, pois afinal é para
a tropa que você ajudar a construir que você vai voltar, quando o próximo
prefeito tirar-lhe o comando e passar para aquele que você desmotivou, ignorou,
perseguiu e humilhou.
Finalizo citando aqui Mark Twain,
“não é aquilo que não sabemos que nos
machuca, mas sim aquilo que sabemos”.
PROF. JOÃO ALEXANDRE – Professor, Pesquisador e Especialista em Políticas Públicas de
Segurança, Direitos Humanos e Ciências Policiais. Coordenador Acadêmico do
Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos – CESDH. Coordenador
Geral do Fórum Permanente de Segurança Pública do Estado de São Paulo
(FPSP/MAS/NCST-SP). Coordenador de Projetos do Centro de Estudos Avançado em
Problemas Sociais (CEAPS-SP). Membro Associado ao Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais - (IBCCRIM). Membro da Associação
Internacional de Polícia (IPA/SP). Coordenador Acadêmico da Escola de
Formação de Comandantes de Guardas Municipais e Gestores de Segurança Pública
Municipal do CESDH/SP. Diretor Adjunto de Assuntos de Segurança Pública e
Direitos Humanos do Escritório Pereira Leutério Advogados Associados. E-mail:
professor.joaoalexandre@hotmail.com
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